segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Tropa de elite ou tropa da elite?

Paulo César Manduca
Novembro de 2007.

No Brasil se faz cinema (no sentido de atividade organizada com fins comerciais) desde o início do século XX. O país que já conheceu Glauber Rocha e o arrojo estético do Cinema Novo, do qual resultou um dos mais importantes prêmios internacionais (Palma de Ouro no Festival de Cannes para O pagador de promessas – 1962), jamais ficou tão tocado com um filme como ficou com Tropa de Elite.

Ainda que não tenha experimentado o estrondoso alcance e comoção da morte de Odete Roitman, ouvem-se em todos os cantos do país discussões e comentários o acerca do filme.
É certo que a pirataria precoce do filme e o conseqüente aumento da audiência doméstica dele ajudam a explicar o fenômeno. No entanto o interesse em relação ao filme está ligado ao tema e à abordagem que propõe.

Sociedade estarrecida com o nível de violência e com a incapacidade de se lidar suas causas e com seus autores.

No processo de reorganização do sistema de segurança publica com o fim da ditadura militar efetivou-se uma mudança de tratamento aos detidos condicionada pelos princípios dos direitos Humanos. Há dois condicionantes principais: a vitimização do infrator que teria chegado aquilo por falta de oportunidades e a crença em métodos de ressocialização. Daí as penas brandas, a progressão e as penas alternativas. Daí os indultos. Daí o direito de visita íntima. Não funciona.
Daí também a falsa idéia de que controlar com firmeza impondo disciplina e isolamento ao detento significa necessariamente em violação de DH. O absurdo gerado é que o estado não consegue exercer controle sobre o recluso por isso as lideranças comandam de dentro dos presídios ações criminosas do lado de fora.

Ao que parece as pessoas também já não dão crédito para as explicações da crise de violência a partir do característico proselitismo de DH comuns nas universidades. Não sei se o diretor mirou algum alvo, mas que ele acertou nos cientistas sociais ele acertou e o que há de novo no filme é que ele propôs que a pequena burguesia (na qual se incluem os sociólogos) adepta de cobrir de rosas ou de cruzes as areias das zonas sul em manifestações pela paz, têm parcela significativa de responsabilidade.

O proselitismo não é suficiente para negar que a violência nas grandes cidades brasileiras são compatíveis com uma guerra civil. Há vários demonstrativos disso. Desde o calibre das armas até o modelo de organização dos grupos criminosos. Portanto, se o estado quiser se impor – e isso não é um consenso - a violência do estado no combate a esses grupos precisa ser proporcional á violência exercida por eles. É a lógica. Do contrário não há como impor a lei. O problema que nenhuma tática de ação de nenhum batalhão especial conseguiu suprimir até hoje diz respeito às conseqüências sobre a população no entorno.

Outro dia ouvi uma garota ameaçar o namorado (em tom jocoso) com o uso do “saquinho” numa alusão ao método de tortura corrente no filme. Sintomático da aceitação crescente da violência como resposta. Não da violência necessária e reativa. Mas da violência exacerbada vingativa. Depois de mostrar uma história que, como escreveu Alba Zaluar, nos faz pensar que é verossímil, o diretor deixa para o espectador a escolha do final. Atirar ou não no chefe do tráfico depois que este assassinou um policial? Os aplausos ao final têm mostrado uma preferência pelo sim. Ainda que a situação seja uma catástrofe de sociabilidade, ainda que o proselitismo não leve á nada, a disseminação da idéia de uma violência pela violência, da carta branca para matar nos leva á uma barbárie ainda maior.